Porque a especialização nunca fez sentido pra mim e talvez também não faça pra você.

Afeta\
4 min readAug 28, 2020

Por Thaís Prado.
co-idealizadora na Rede Afeta\

Quando eu ainda estava no colégio, lá pelo segundo colegial, tinha uma menina na minha sala que era completamente apaixonada por Mitologia Grega. Pensa em alguém que sabe o nome de todos os deuses, as histórias malucas, quem é filho de quem, pois é. Durante a aula, ela lia livros e mais livros sobre o assunto, contanto as histórias pra gente e pensava comigo mesma “cara, como deve ser legal saber tanto sobre algum assunto!”. Então, resolvi me inspirar nela e comecei a ler sobre Mitologia Grega.

Foi um impulso que durou um total de 10 páginas e então eu desisti.

A partir daí uma vozinha se criou na minha cabeça e me acompanhou por muito tempo. Ela dizia — você não é persistente, você não se dedicou o suficiente, você não tem o foco que precisa.

E ela tinha pontos válidos. Eu realmente não tinha um interesse real em Mitologia Grega, o que dificultava muito ficar lá sentada tentando decorar todas as histórias malucas — ou seja, persistir e eu também não tinha todo o foco que precisava para realmente me tornar especialista naquele assunto. E até hoje, não tenho.

Sofri por um tempo com a ideia de que eu não conseguiria me especializar em nada e fui assim me apaixonando em cada esquina por uma ideia de profissão diferente — fui dar aulas de inglês, fui maquiadora profissional, fui pra faculdade de filosofia, estudei publicidade, considerei costurar roupas para vender, estudar psicanálise e pintar aquarela… nenhuma paixão era maior do que a outra e enquanto eu estava encantada por algo, eu estava também 100% focada, mergulhada e inspirada.

Essa fluidez em que minhas paixões orbitavam me deixava muito ansiosa. O mercado olha pra especializações, MBAs, pós graduações na área, carreiras “escadinha”. E eu não sabia como me encaixar.

No meio dessa bagunça de sentimentos, passei por um livro do Roman Krznaric, do School of Life, com um nome todo auto-ajuda de “Como encontrar o trabalho da sua vida?” (mas que no final, trouxe exercícios bem legais). Esse livro me apresentou um conceito que mudou bastante o jeito que eu me relacionava comigo e por consequência, com o meu trabalho e o que eu quero colocar no mundo.

Ele me apresentou o conceito de “realizador amplo”.

Basicamente, a especialização que boa parte do mercado exige e recompensa, funciona se você for uma pessoa apaixonada por uma área específica, o problema é que, como eu, muitas outras pessoas flutuam entre esses “múltiplos eus”.

O contrário de especialista não é “incompleto” ou “incapaz”, como às vezes nos sentimos por pressões que encontram nossas inseguranças. O contrário de quem tem uma visão especialista é quem tem uma visão ampla.

O autor também diz que normalmente nos dividimos entre dois tipos de realizadores amplos: os “generalistas renascentistas” (euzinha), com carreiras diversas e simultâneas e os “especialistas seriais”, que se dedicam a uma atividade por vez. E enquanto ouvia isso, já começava a me sentir diferente. Parece que quando ganha um nome, vem também um reconhecimento e uma sensação de assentamento e pertencimento, né?

Resolvi então, deixar de ressentir a minha falta de especialização para abraçar minha amplitude.

Olhei em volta para todos os conhecimentos que absorvi durante os anos (desde aquelas páginas sobre Mitologia Grega, passando por uma experiência frustrante em agências de propaganda, minha pós em Sociopsicologia, minha vivência em consultorias de inovação e impacto…) e busquei entender como esses universos e aprendizados poderiam convergir pra que eu colocasse no mundo um trabalho que promovesse os valores que eu acredito e potencializasse esse novo valor que eu descobri em mim.

Percebi que o olhar estratégico está no coração de tudo que eu faço e que ele complementa minha busca “sem foco” por esses caminhos tão diversos — que no final também têm um lugar comum: compreender o que é ser, estar e se relacionar nesse nosso mundão — e é isso que me move hoje.

Entendi que esse modo “realizadora ampla” de ser e minha eterna curiosidade por tudo, tem me permitido abraçar as diferentes nuances e possibilidades do que me cerca, experimentando também diferentes vivências e versões de mim mesma.

E o mercado que lute.

Arte: @trudeiskrude | Tascha

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